20.1.06

Época balnear

Era o tempo em que havia nas nossas praias poetas em tronco nu,
poetas adormecidos sobre a areia ou rodando os braços vagarosos,
a saltar as ondas como quem abraça o dorso de um cavalo.
Eram poetas de pele salgada, que rolavam a língua contra os dentes
e remoíam inquietos um fino e antiquíssimo grão de areia
- poetas flectidos sobre as pregas da barriga, e poetas vibrantes,
estalando o peito dourado e sonoro como um tambor cheio de sol.
Havia poetas friorentos de pernas brancas,
a ver os dedos enterrar-se em vão, e outros que colhiam
cordões de algas e escondiam o umbigo com fartas cabeleiras.

Nós, as meninas, iamos até à praia para ver os poetas.
As mais atrevidas conseguiam levá-los para as dunas;
despiam-nos, deitavam-nos, e riam-se depois dos arranhões
dos cardos sobre a pele. Algumas lambiam da ponta dos dedos
uma pequena gota do sangue dos poetas - e de que
outra forma podiamos mostrar o nosso amor por eles?

As outras, tímidas, molhavam os pés na maré baixa, espreitavam-nos
pelo canto do olho, apanhavam búzios e olhos de boi;
alguns poetas - via-se - sentiam embaraço, viravam-se,
sacudiam um e outro pé; elas acompanhavam
em segredo: bem me quer, mal me quer, esquerdo, direito,
- que belas eram essas raparigas, todas elas, querendo deixar
a marca dos seus seios nos versos balneares dos poetas.

Dispersos e inéditos poetas, nadando até ao largo,
cada vez mais pequenos, onde nem vozes nem mãos podiam salvá-los
- poetas perdidos que davam à costa longe, muito longe.

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