A tristeza cura-se
com tarefas domésticas
- por exemplo,
a dor de corno
trata-se limpando os vidros
de ambos os lados
se falta o sentido para a vida
recomenda-se fazer um bolo
se necessário
todos os dias
a solidão passa num instante
sentada à mesa
a tirar o fio ao feijão verde
e passar a ferro
seca rapidamente
as lágrimas
isto são coisas
que qualquer mulher sabe
e em caso de dúvida
ou de insónia
lava-se a louça
toda a louça
toda a louça do mundo
21.3.12
13.3.12
1.3.12
passou por aqui há bocado a memória da tua pele
passou por aqui há bocado a memória da tua pele:
enorme – com movimentos de animal antigo
do tempo em que os animais eram todos grandes
e se moviam como a sombra e a luz
quase em silêncio, como a lama e a lava.
não a vi chegar.
apareceu-me primeiro nos dedos, depois
nas palmas abertas das mãos
no olfato, na língua e nos dentes,
na saliva,
por fim, nos pulmões.
quando percebi – porque me ouvi respirar –
já não pude evitá-la.
não que eu faça questão.
esteve aqui a memória da tua pele
e eu esperei que passasse.
já passou.
agora mesmo, acabou de passar:
como as nuvens de água morna passam, sem chover,
pelas tardes de Verão e as escurecem.
agora o ar está pesado.
e eu estou sentada à porta de casa
a ajeitar o cabelo e a alisar a saia
a apanhar partes espalhadas de mim
– aqui um braço, ali alguns dedos –
a tentar encaixá-las umas nas outras e que voltem
a parecer-se comigo
mas as mãos tremem-me e há sons dentro de mim
que não me deixam concentrar.
e fico só a pensar que ainda bem que não é todos os dias
que a memória da tua pele passa assim e se demora
e que preciso decidir se quero ou não reaprender a respirar.
enorme – com movimentos de animal antigo
do tempo em que os animais eram todos grandes
e se moviam como a sombra e a luz
quase em silêncio, como a lama e a lava.
não a vi chegar.
apareceu-me primeiro nos dedos, depois
nas palmas abertas das mãos
no olfato, na língua e nos dentes,
na saliva,
por fim, nos pulmões.
quando percebi – porque me ouvi respirar –
já não pude evitá-la.
não que eu faça questão.
esteve aqui a memória da tua pele
e eu esperei que passasse.
já passou.
agora mesmo, acabou de passar:
como as nuvens de água morna passam, sem chover,
pelas tardes de Verão e as escurecem.
agora o ar está pesado.
e eu estou sentada à porta de casa
a ajeitar o cabelo e a alisar a saia
a apanhar partes espalhadas de mim
– aqui um braço, ali alguns dedos –
a tentar encaixá-las umas nas outras e que voltem
a parecer-se comigo
mas as mãos tremem-me e há sons dentro de mim
que não me deixam concentrar.
e fico só a pensar que ainda bem que não é todos os dias
que a memória da tua pele passa assim e se demora
e que preciso decidir se quero ou não reaprender a respirar.
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