Se quiseres falar como um adulto verdadeiro
- daqueles que não têm vidas malucas
nem dão desgostos aos pais -,
transforma todos os verbos em dois
e cada dois verbos em quatro
e quatro, se puderes
- a seriedade encontra sempre os recursos
adequados -,
em oito
e assim sucessivamente até sessenta e quatro
- terás da música, ao menos, os múltiplos.
Usa muitos particípios:
Implementado, que é obrigatório;
Disponibilizado, que parece bem;
Inserido, que demonstra trabalho.
Não tentes transmitir informação ou conhecimento relevantes
Que possam ser aproveitados para uma vida melhor
mais simples ou mais à medida das necessidades humanas.
O discurso profissional deve soar assim: profissional.
E fechado. E chato.
Que a curiosidade elementar sobre o mundo
sobre estar aqui
e, da tua voz, a vivacidade
sucumbam esmagadas contra as paredes
como as borboletas nocturnas em pânico dentro dos candeeiros
e os mendigos dentro da fome.
5.12.11
21.11.11
17.10.11
Árvores livros filhos
livros
filhos
agora
que tudo já foi feito
agora
só me falta ter
um amante em Beirute
4.9.11
Uma laranja pode atrair-me ao teu quintal
Uma laranja pode
atrair-me ao teu quintal
mas também
o céu reflectido nas janelas,
ou até
o anel que brilha na tua mão
quando fechas a porta.
Uma flor, sim, uma flor
pode atrair-me
ao teu quintal
ou um insecto
- pássaro, flor -
na verdade, um verme
pode atrair-me
ao teu quintal.
Um buraco na terra, ervas daninhas
podem atrair-me
ao teu quintal.
Esse pedaço de pele entre
o teu ombro e o teu pescoço
pode atrair-me
ao teu quintal
de um modo geral, aliás,
o corpo
ou o som de um fruto a cair
pesado demais
no chão do teu quintal
- o balde da água
migalhas de pão
o cair da noite
a luz acesa
o cheiro a comida
podem atrair-me
ao teu quintal.
22.6.11
um dia, o trabalho será proibido
um dia, o trabalho será proibido.
deixará de ser oficial,
dirá o governo nos jornais nacionais de maior tiragem.
mandará escrever
e ninguém perguntará porquê.
– são as ordens que tenho.
dirão os funcionários enviados
para fechar as portas das fábricas, das lojas, dos escritórios,
queimar os campos e afundar os barcos dos que insistirem.
– porquê?
– são as ordens que tenho.
e a voz, dizendo as palavras,
dirá também a censura.
e quando tudo estiver fechado
e todos os homens quietos
e as casas silenciosas,
a fome será proibida.
– já não há fome.
– porquê?
– já não é oficial.
– porquê?
– são as ordens que tenho.
depois, a curiosidade e os livros
o frio e a roupa
a pele e a água
o sono e a sombra
e em geral todas as coisas de ser gente
corpo e mundo
tudo deixará de ser oficial
e tudo será proibido.
e os homens subirão aos parapeitos das janelas
abrirão os braços
e voarão sobre as cidades.
e mais não se saberá deles
porque a morte será proibida.
deixará de ser oficial,
dirá o governo nos jornais nacionais de maior tiragem.
mandará escrever
e ninguém perguntará porquê.
– são as ordens que tenho.
dirão os funcionários enviados
para fechar as portas das fábricas, das lojas, dos escritórios,
queimar os campos e afundar os barcos dos que insistirem.
– porquê?
– são as ordens que tenho.
e a voz, dizendo as palavras,
dirá também a censura.
e quando tudo estiver fechado
e todos os homens quietos
e as casas silenciosas,
a fome será proibida.
– já não há fome.
– porquê?
– já não é oficial.
– porquê?
– são as ordens que tenho.
depois, a curiosidade e os livros
o frio e a roupa
a pele e a água
o sono e a sombra
e em geral todas as coisas de ser gente
corpo e mundo
tudo deixará de ser oficial
e tudo será proibido.
e os homens subirão aos parapeitos das janelas
abrirão os braços
e voarão sobre as cidades.
e mais não se saberá deles
porque a morte será proibida.
28.4.11
aqui me tens
A minha aldeia é igual a todas
as aldeias, isto é, nela há
um homem que um dia ao fim
de muitos anos há-de abrir
a porta e despir-se deixando
cair a roupa no cimento
da entrada e depois vai
caminhar até ao muro e chamar
a mulher que mora na casa
ao lado e naquele momento
arranca a erva do canteiro
das alfaces e dizer-lhe:
aqui me tens.
12.1.11
A toalha
truques
de magia
a mãe
põe a mesa
assim:
a mãe lança
a toalha
sobre a mesa
e durante um segundo
dois
a toalha fica
suspensa
(ainda)
como uma tenda de circo
e depois
devagarinho
como muito perto
do fim do mundo
a toalha
pousa.
A mãe sabe
tantas coisas
e também
onde não havia nada
agora
o copo, o prato,
a água, o pão.
5.1.11
A padeirinha
A padeirinha caíu
no fundo do alguidar
coitada da padeirinha
caíu de fazer tanta força
todo o dia a amassar.
A padeirinha caíu
na masseira com o pão
coitada da padeirinha
caíu de tanto tender
a massa na palma da mão.
A padeirinha caíu
no forno pelo calor
coitada da padeirinha
caíu de tanto cozer
sumiu-se de tanto suor
Agora não há padeirinha
não há forno nem pão mole
Era baixa e redondinha
cabia num alguidar
embrulhada num lençol.
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