26.6.05

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Seria fácil enlouquecer aqui, devagarinho.
Aqueles que já me viram
sabem que o faço com delicadeza,
como quem ajeita a saia sobre a curva do joelho.
Enlouqueço sem fazer promessas
e sem pedir nada a ninguém,
de tal forma que a minha loucura
já foi confundida com correntes de ar
e apressaram-se a fechar as portas e as janelas.
As coisas retomam assim a imobilidade
visível e pacífica para que foram criadas,
e há que saber esperar atentamente,
respirando sempre, até que os cantos
da sala estalem de riso.

19.6.05

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Fiz a minha viagem mais longa
detive-me um pouco mais
a olhar as flores e a desordem dos caminhos
e voltei atrás a medir cada braço
de cada encruzilhada.
Bati a mais portas, mais vezes
escutei a voz que de dentro respondia
e houve em mim uma inclinação de esperança
para essa aparição inaugural de um rosto
surgindo do fundo das casas dos homens,
devolvendo-me ao corpo dos frutos e à água.
Sentei-me em pedras dóceis, resignadas,
mergulhei braços e raízes cobrindo os olhos de alegria.
Mas sei que não é esta a minha casa
e vou a caminho
- irei ter convosco aí, onde veremos,
no silêncio, o vento que atravessa os nossos corpos.

13.6.05

e o cisne

num dia de calor acordei nua e com a cama coberta de penas brancas, que se me colavam às coxas e ao peito. não creio nos deuses, mesmo se ocultos, nem no peso das aves.

12.6.05

Mulheres que caminham sozinhas no bosque à noite

Mulheres que caminham sozinhas no bosque à noite
mulheres sonoras alagando de calor as copas dos arbustos,
mordendo o pânico, iluminando o voo dos insectos
Das suas cabeleiras soltam-se pensamentos
como da folhagem inacessíveis aves nocturnas
Ah, essas mulheres atrás de quem se fecha a noite,
que cosem com um fio de sangue os caminhos
Em frente abre-se o peito das mulheres
na direcção do poço mais negro do bosque
abre-se o peito das mulheres
Despiram-se da voz na primeira encruzilhada
e todo o seu corpo é um seixo que enche a boca da noite,
uma pedra solta forçando a passagem entre os veios da noite,
uma contracção de semente que aperta a orla do bosque
- e a poeira ergue-se em torno dos seus pés como
a respiração da fera ao calor dos herbívoros