29.4.05

Diagonal sem tecto.

A rua, os carros, a praça e os prédios em volta.
A noite, a paragem do autocarro, a espera e
os papéis do dia no bolso das calças.
O relógio, o sono, a impaciência.
O cheiro baço do trânsito que escoa:
um cinzeiro, tabaco velho, estores fechados.

E não há tecto, não há telhado, não há lustres,
não há dia de limpeza, telefones, aspiradores;
não há gravatas, sandálias novas, penteados platinados,
saltos, madeixas naturais, revistas, receitas ou lições.

O tempo grande é escuro e certo e começa na base dos candeeiros.
A manhã, contínua, tarda e permanece.

A única coisa errada é fazerem-se os passos sempre na horizontal.

As palavras-cruzadas, que não têm esqueleto,
não lêem livros e que frequentam
- sem distinção de ascendência, sexo, raça,
língua, território de origem, religião,
convicções políticas ou ideológicas, instrução,
situação económica, condição social, orientação sexual -
as salas de espera de todos os consultórios,
possuem maior agilidade.

1.4.05

Corpo maior

A praça abafada ao cair da noite
suor no pescoço, sandálias em Abril
pergunto se é doentio o calor, se o fogo
corre sozinho nos sulcos das fontes
imediatamente por baixo das raízes das árvores.
Interrompo o jardim com gestos de Verão
para molhar as mãos no repuxo.
Antes do rosto, detenho o hábito: demoro
antigos e alheios
os dedos na água imprecisa.