4.6.09

a cobra

Naquele tempo era a cobra.
Fugia à nossa frente por entre
as ervas rasteiras da horta.
Verde. Grossa. Desenroladamente
fugia. Um dia fecharam-me
na casa da lenha. Riam-se. Era
a casa da cobra. Era a casa do
ninho da cobra, diziam, onde
a cobra punha os ovos pela boca,
onde os filhos da cobra ferviam
e brilhavam. Verdes. No escuro,
eu ouvia. Cada cobra ao cair
partia-se em mil pequenas cobras
e cada uma delas em mais mil,
até cobrirem o chão, as paredes
e todos os buracos. Diziam que
as cobras procuravam as mulheres
à noite. As cobras bebiam leite.
As cobras, disseram, iam beber
o meu leite. Bebê-lo e sugar-me
e eu ia ficar cada vez mais pequena.
Desaparecer dentro de mil
cobras faiscantes. Riam-se,
já iam longe. Tudo isto, bem sabia,
era porque eu já tinha maminhas
mesmo sem ter idade para ter
maminhas. E as outras meninas, não.

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