24.3.09

As hortas

Entardece nas hortas. O calor não vem de cima, mas da terra
e sobe-me até aos joelhos enquanto caminho pelos regos
de água já secos. Entardece no olho negro da flor das favas,
nas alfaces debicadas pelos pardais. Já entra a sombra nos alvéolos
das folhas verde-azul das couves, altas como rosas.
Não há abelhas a furar a copa negra das laranjeiras,
nem o roçagar de seda das asas dos gafanhotos,
nem a carne dura das suas pernas. Já não. Vai baixando o calor
dos joelhos aos tornozelos, vai pousando o som sobre a terra mais escura.
Para onde foi a água? Tudo se aquieta, tudo entardece com a tarde,
tudo se dissolve no ar como areia mais fina – as alfaces macias, as favas pálidas,
os meus pés quietos sobre a terra. Resistem os figos verdes e duros
cravados na árvore, como testículos de gato, sugando a seiva, o leite,
a lenha. Crescem para dentro, incham em silêncio.

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