8.9.06

De noite

Chega de noite - como o homem que um dia
na infância vi no meu quarto e ainda hoje
não sei quem era.
Lembro-me de um fato escuro
lembro-me de uma sombra uma mancha uma nódoa
ao lado da minha cama
coisa grande que se movia devagar
inclinada sobre a mesa de cabeceira.
Depois virou-se e afastou-se até à porta -
eu fingia dormir, o mundo inteiro
fazia um som de fera negra
a respirar a farejar-me o corpo.
Dele não guardei mais que o vulto
escuro e curvo uma vírgula gigante
no meu quarto o som seco e retido
dos passos no tapete e do roçar da roupa
como uma boca que tenta prender a voz.
Nunca soube quem era
o que fazia ali o homem.
Oh mistérios da infância!
E hoje, mais uma vez, chega de noite.
É outra coisa.

Sem comentários: