10.5.05

No dia do meu aniversario

No dia do meu aniversário
houve uma festa muito grande.
Vieram todos:
o meu pai, a minha mãe,
os irmãos e os avós
e ainda muitos primos e primas,
amigos e vizinhos.
No dia do meu aniversário
- que maravilha, estavam todos comigo:
as minhas bonecas, o bicho papão,
e a primeira pedra que
se me atravessou no caminho
e que alguém me colocou na sopa,
em jeito de brincadeira.
No dia do meu aniversário
vieram dois ou três mortos;
um deles olhava-me com ar severo
- nunca foste visitar-me;
a minha mãe sentou-os à mesa
os corpos tombavam sobre a comida.
A minha tia ria-se muito de tudo,
de um riso áspero como urtigas,
e ia-me enchendo o prato
com os meus doces preferidos.
No dia do meu aniversário
veio um que me deixou com um sorriso,
e outro, mais quente que na memória,
que se entreteve, toda a tarde,
a brincar com um palito
que me espetava no braço,
rodando-o devagar - lembras-te?
A minha avó quis ler em voz alta
o meu diário de adolescente
e rimo-nos todos muito.
Houve sol e sombra em abundância
e todos me sorriam como flores
de pétalas grandes e bem regadas.
A minha mãe tinha guardado a roupa interior
da minha primeira menstruação,
lavada e dobrada em três, e dançámos a isso,
isso de já ser uma mulherzinha.
No dia do meu aniversário
veio também um homem que no Metro
me apalpou e se roçou na minha perna
enquanto entredentes dizia não sei o quê;
trouxe-me um ramo de flores
e o meu pai quis saber, piscando o olho:
é este o teu namorado?
No dia do meu aniversário
os meus cães e os meus gatos
vieram também ver-me
mas as suas cabeças macias
caiam-me das mãos
como flores secas.
Ainda agora limpei este chão,
queixava-se a minha avó,
varrendo-as para a pá
e atirando-as por cima do muro
para o jardim do vizinho.
No dia do meu aniversário, ao anoitecer,
os amigos que não via há muito
juntaram-se aos de todos os dias;
sentaram-se em cima do meu vestido
e não me deixaram ir-me embora.
Eu estava muito cansada;
na verdade, eu queria ir deitar-me
para que viesse o dia depois do meu aniversário,
mas eles não saíam de cima do meu vestido
e eu tinha vergonha de me despir
à frente de todos, e então ri-me muito,
agradeci as prendas, e esperei
que caísse a noite.

1 comentário:

Rui Manuel Amaral disse...

Grande, grande poema.